A cláusula penal é instituto de direito material vinculado a negócio jurídico (contrato), criado pelas partes com o duplo papel de estimular o cumprimento voluntário da obrigação, diante de sua força intimidativa, como também o de fixar, previamente, o valor das perdas e danos devidos à parte inocente, no caso de inexecução do contrato pelo outro contratante. É ela que determina quais penas que o contratante se sujeitará em caso de inadimplência.
A astreinte, por sua vez, que encontra amparo no art. 537, do Código de Processo Civil (CPC)[1], é instituto de direito processual, criado com a finalidade de atribuir ao juiz poderosa ferramenta como forma de coagir determinada pessoa a cumprir uma obrigação de fazer ou de não fazer.
Ela pode ser aplicada (i) na fase de conhecimento – que é aquela em que o juiz recebe os fatos e os fundamentos jurídicos dos envolvidos na causa para reunir as informações necessárias para sua análise; (ii) em tutela provisória – dispositivo judicial que permite a antecipação e asseguração de um direito da parte; (iii) na sentença – ato do juiz que extingue o processo com ou sem resolução de mérito, ou que rejeita ou acolhe os pedidos do autor e (iv) na fase de execução – que se caracteriza pelo cumprimento da decisão judicial imposta a uma das partes.
Embora tenham naturezas jurídicas distintas, como acima exposto, ambas penalidades são passíveis de controle judicial. No caso da astreinte, de acordo com o parágrafo primeiro do art. 537 do CPC[2], pode o juiz afastar ou alterar o valor e a periodicidade da multa aplicada, sempre que julgar que ela se tornou insuficiente, excessiva, ou quando o obrigado cumpriu parte da obrigação ou demonstrou justa causa para o seu descumprimento.
No mesmo sentido é o entendimento quando os requisitos para a revisão se operarem em relação à cláusula penal, já que o art. 413[3], do Código Civil, prevê expressamente o dever de o magistrado reduzir equitativamente a penalidade contratual se a obrigação principal do contrato tiver sido parcialmente cumprida ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, em razão da natureza e da finalidade do negócio.
A referida norma, que é de ordem pública, tem como objetivo preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e afastar eventuais excessos que possam configurar o enriquecimento sem causa de qualquer uma das partes.
Vale salientar que a possibilidade de revisão judicial da cláusula penal não implica violação do princípio basilar dos contratos denominado de pacta sunt servanda – que reflete a ideia de que os acordos legais e livremente formados devem ser cumpridos obrigatoriamente entre os contratantes e só podem ser revogados de consentimento mútuo nos limites da lei – exatamente porque essa regra comporta exceção, que se opera quando houver excessiva onerosidade à uma das partes, como acima mencionado.
Verifica-se, portanto, que a revisão da multa cominatória, assim como da cláusula penal, pelo Poder Judiciário, se encontra consubstanciada em um poder/dever, e tem como finalidade coibir eventuais excessos e/ou abusos que venham a colocar o obrigado ou a parte inadimplente em situação de desarrazoada onerosidade.
Ainda, conforme jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)[4], a revisão da multa cominatória (astreinte) pode ocorrer a qualquer tempo, e mesmo depois de transitada em julgado a sentença ou o acórdão que a fixou – momento em que a decisão se torna definitiva, não podendo mais ser objeto de recurso.
Tal fato significa que a possibilidade de revisão ou mesmo de exclusão da astreinte não se submete aos institutos da preclusão – que é, em suma, a perda do direito de se manifestar no processo –, ou ofensa à coisa julgada – que é quando determinada decisão não pode mais ser revista por meio da interposição de um recurso.
Concluindo
Trouxemos, portanto, alguns aspectos relacionados à possibilidade de revisão ou mesmo do afastamento, pelo Poder Judiciário, das multas impostas em caráter cominatório, e daquelas previstas nos contratos firmados entre particulares, chamadas comumente de cláusulas penais, sempre que tais multas infringirem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e ensejarem, por consequência, o enriquecimento ilícito da parte exequente.
Além disso, vimos que a multa cominatória, aplicada em razão do descumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer, poderá ser revista a qualquer tempo, não fazendo a decisão que a estabeleceu coisa julgada material, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça, acima citado.
Ficou com alguma dúvida, ou que saber mais sobre o assunto, entre em contato pelo e-mail renato@rasoadvocacia.com ou pelo telefone (31) 2010-5464.
[1] Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. [2] § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento. [3] Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
[4] AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES. ENTENDIMENTO ESTADUAL NO SENTIDO DA NECESSIDADE DE REDUÇÃO DO VALOR EXECUTADO. MONTANTE DESPROPORCIONAL. CONCLUSÃO FUNDADA EM FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DA MULTA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o art. 461 do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao art. 537 do novo CPC) permite ao magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, afastar ou alterar o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não havendo espaço para falar em preclusão ou em ofensa à coisa julgada (Súmula 83/STJ). (...) (AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N° 1354776 - SP (2018/0222396-6. RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE. DATA DO JULGAMENTO: 25 de fevereiro de 2019.)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - ASTREINTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA PARAAFASTAR A COBRANÇA DA MULTA COMINATÓRIA. INSURGÊNCIA DA EXEQUENTE/AGRAVADA. (...) 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao art. 537 do NCPC) permite ao magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, afastar ou alterar o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não havendo espaço para falar em preclusão ou em ofensa à coisa julgada. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg. nos EDcl. no AREsp. 361.371/MG, RELATOR MINISTRO MARCO BUZZI, DATA DO JULGAMENTO: 07 de junho de 2018.)
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